Rubro Obsceno
Suspensão. Como habitar este novo mundo? A fragilidade da vida inscrita nas milhares de mortes devido a Covid-19 e diante da perplexidade em relação ao nosso governo que reforça a ideia de descartabilidade de existências, principalmente as mais vulneráveis. Indignação, também, pelos números crescentes de feminícidio e violência contra as mulheres e meninas em meio a este período de isolamento social. O nosso grito de basta não mais se propaga. Não há alcance por causa dos limites das janelas (reais e virtuais). Essa fragilidade/luto/silenciamento nos reúne em um tênue “nós”. Como dar continuidade ao nosso ativismo poético se estamos interditadas, assim como todas e todos colegas profissionais das artes da cena? Somos o Rubro Obsceno. Trabalhamos continuamente com projetos artísticos e sociais sob a perspectiva de um teatro voltado para diferentes grupos de mulheres: mulheres soropositivas, mulheres em situação de violência, mulheres com mais de 60 anos e mulheres em situação de cárcere. Em parceria com a performer mexicana Violeta Luna, criamos “Para aquelas que não mais estão”, um espetáculo memorial dedicado às mulheres que foram – e continuam sendo – assassinadas por feminicídio em toda América Latina. Este trabalho foi apresentado em São Paulo, Curitiba, Santiago do Chile, Bogotá, Buenos Aires, São Francisco, Holstebro e, neste último mês de maio, embarcaríamos para La Havana, participar do Festival Teatro Latinoamericano y Caribeño Mayo Teatral, promovido pela Casa de las Américas. Não fomos. As malas não foram feitas. As velas em celebração às vidas descontinuadas de nossas “irmãs” não foram acesas. Seus nomes não foram chamados. A omissão de um patriarcado feminicida não foi denunciada. Nenhuma a menos. Ni una mas. Vivas nos queremos. Até um próximo encontro, marcha ou manifestação. Até o próximo ato. A pandemia interrompeu a arte, não nossos sonhos.
Stela Fischer e Leticia Olivares (Rubro Obsceno)
Facebook: Rubro Obsceno
Instagram: @rubroobsceno
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Arte parada no ar
Fotos: Roderick Steel
Manifesto
Arte parada no ar
s.O perigo vem pelo ar
O simples respirar é um risco
Estamos em suspenso
Atônitos
Parados
Se antes ofegantes
pelos tempos sombrios da política,
agora interrompemos a inspiração
Nosso ofício
marcado pelo encontro de pessoas
parou
Artistas isolados
Os primeiros a parar
Sem saber quando poderemos voltarNossos palcos cobertos de poeira
Refletores no escuro
Exposições com quadros no chão
Músicos sem plateia
Picadeiros sem graça
Sapatilhas guardadas
Livros inéditos
Câmeras desligadas
Registramos nosso momento em imagens e textos.
Criamos, sim, dentro dos limites deste novo normal
que ainda não imaginamos
nem nas distopias mais futuristasUm rascunho
Um ensaio aberto
Um improviso
Um respiro
mediado por telas digitais
e máscaras
Arte parada no Ar
Um retrato
e um desabafo
de criadores que resistemArte parada no ar é um manifesto em construção.
Nossa inspiração vem do texto “Um grito parado no ar”, de Gianfrancesco Guarnieri. A peça estreou em 1973 em Curitiba, com direção de Fernando Peixoto. A obra driblou a vigilância da ditadura de então ao usar de uma linguagem metafórica para discutir os problemas sociais. O drama fala sobre as dificuldades de se fazer arte em um tempo de repressão.