Luiz Andrioli*
A 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada no dia 19 de novembro de 2024, trouxe um dado novo e que facilmente nos dá uma manchete de impacto: pela primeira vez na série histórica do levantamento, o Brasil tem mais não leitores do que leitores. Isso significa que 53% das pessoas entrevistadas disseram não ter lido livro algum nos últimos três meses. É um número expressivo. Em 2015, o percentual de não adeptos à prática da leitura era de 44%.
A realização é do Instituto Pró-Livro, OSCIP mantida pelas entidades do livro Abrelivros, CBL e SNEL, que busca fomentar a leitura e a difusão do livro em nosso país. A realização do estudo se dá por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Aliás, louva-se o uso desse mecanismo não só para o fomento da produção cultural, mas também para o estudo e consolidação sistemática de dados do setor.
O levantamento foi realizado pelo IPEC e, devido à amostragem (5.504 entrevistas em 208 municípios), apresenta uma margem de erro de 1 ponto percentual (bem abaixo das maiores pesquisas de intenção de voto nas eleições, só para efeito de comparação). Ou seja, estamos lidando com números que refletem o melhor possível do que realmente acontece.
Nesta edição, a Retratos da Leitura no Brasil buscou um olhar mais aprofundado para as questões que envolvem o ambiente digital da leitura, observando, por exemplo, além do consumo de Literatura em telas, o peso que os influenciadores digitais têm na decisão de consumo por parte dos leitores. Pasmem: é baixo. Apenas 3% dos leitores acataram alguma opinião de booktubers e afins para decidir por algum título.
O que ainda pesa na hora de abraçar uma leitura é o tema (52%), o título (31%), o autor (27%) e as recomendações de amigos e familiares (20%), porcentagens que se mantêm nos mesmos patamares em relação ao ano anterior.
O que mudou nessa lista de fatores decisivos para a compra é justamente o preço: se, em 2019, 15% diziam considerar o quesito financeiro na hora de optar por um livro, em 2024, o índice subiu para 22%. Ou seja, cada vez mais o leitor olha para o bolso quase tanto quanto para o que as pessoas do seu entorno falam sobre.
Como profissional da indústria do livro, vez ou outra fazendo formações ou discutindo com quem atua, em especial, no marketing editorial, percebo um esforço muito grande em buscar apoios, parcerias, dedicar dinheiro para estratégias de promoção do livro junto aos influenciadores digitais. Com o desaparecimento dos cadernos de cultura dos jornais e revistas, o que deixou menos espaço para as resenhas especializadas, temos a impressão de que a voz orientativa sobre o que é interessante no mercado editorial passou a ser dos que conseguem comentar e chamar a atenção nos formatos do TikTok, Instagram e afins.
Mas, pelo jeito, não é o que acontece. Analisando os dados, tenho a sensação de que os influenciadores digitais da Literatura estão fazendo um ótimo trabalho de difusão dos livros, claro, mas para os próprios convertidos. Talvez eles estejam em uma bolha que não está indo além dos já leitores. Possivelmente esses profissionais das telas deem um bom retorno de vendas para as editoras face ao dinheiro investido, mas certamente não estão trazendo mais gente para o universo leitor.
O foco: quem está trazendo mais gente para o universo leitor?
Isso é o que não está na manchete. E, na visão deste escriba, é o que deve ser o nosso foco. Se estamos preocupados por viver em uma nação majoritariamente não leitora, há que se entender quem pode nos ajudar a reverter essa curva.
Vamos lá, item a item:
• Tema ou assunto; título do livro; autor
Como já dito aqui, esses são os três pesos mais importantes na balança do leitor quando pensa em passar o cartão em troca de uma boa história. Evidentemente, são peças da engrenagem editorial que dizem respeito (principalmente) aos publishers que decidem com base em histórico de vendas, oportunidades, autores do catálogo, negociações no mercado internacional… Enfim, negócios.
• Recomendações
Aqui, acredito valer a pena destrinchar um pouco mais a respeito de quem tem voz que chega ao ouvido do leitor: amigos ou familiares (20%); recomendação de professores (11%); indicação de padre, pastor ou algum líder religioso (9%), sendo que, na edição passada da pesquisa, esse percentual estava em 0.
A depender da orientação política e/ou religiosa de cada leitor deste artigo, é possível imaginar adjetivos e afetos em relação a esse crescimento vertiginoso da orientação literária feita a partir de púlpitos e altares. Nesse ponto, acredito que o melhor, assim como na política, seja dar conta do real, deixando julgamentos de lado.
Há uma tendência de mercado de busca por livros que abordem, inclusive na ficção, temas com valores espirituais (com destaque para os cristãos) permeados por histórias que segurem o leitor pelo poder do entretenimento. Já existem até feiras literárias atuando neste nicho. Respeito.
Tendo minha formação mais baseada em uma visão política materialista, entendo que precisamos cuidar mais dos nossos influenciadores do primeiro círculo dos jovens leitores, o que compreendo como amigos ou familiares e professores (ambos ainda à frente dos líderes religiosos).
Para os familiares, tenho o sentimento de que a própria pesquisa traz excelentes insumos para entender a importância da leitura na construção de uma vida mais plena. Estando em uma sociedade na qual se buscam trocas objetivas, a Literatura pode também servir a esse propósito, considerando que esse não é o objetivo principal do fruir da arte, claro.
“Quem lê, tem uma vida mais interessante”, diz a pesquisa expressamente. Na média, os leitores mencionaram 7,6 entretenimentos no tempo livre, desde o uso da internet até frequência a bares e restaurantes ou mesmo ida a eventos culturais. Por outro lado, quem não lê apontou uma média de 5,3 atividades.
Em resumo:
- Quem lê faz muito mais atividades legais além da leitura;
- Quem não lê está mais sujeito a uma vida modorrenta e refém da rolagem infinita das telas das redes sociais.
Qual dos dois públicos terá mais oportunidades de trabalho, boas parcerias, afetos positivos, um bom cuidado com a saúde física e mental?
A resposta passa pela quantidade de páginas lidas, obviamente.
Mas por que o Brasil está lendo menos? Três possibilidades:
- Para ler, precisa-se de tempo
Quase metade das pessoas não leitoras dizem que não leem por falta de tempo, um índice quatro vezes maior que as segunda e terceira queixas (preferem outras atividades ou não têm paciência).
Ah, o tempo… Esse ativo precioso e tão escasso em tempos de múltiplas tarefas, subempregos que exigem cargas horárias desumanas, relações empreendedoras que mascaram a falta de oportunidades profissionais sustentáveis e deslocamentos entre casa e trabalho que ultrapassam o tempo de lazer e convívio com a família.
O maior “não” para a Literatura está no “não tenho tempo”. Ao menos, no que é dito, pois é uma resposta simples de ser dada e bastante convincente. Dentro de um cenário utópico, seria interessante mexer nessa variável, simplesmente dando mais tempo ao não leitor e percebendo o quanto da ociosidade seria preenchida com livros abertos.
Na minha visão, algo só mudaria se contássemos também com mais duas inferências.
- Para ler, é necessário incentivo
No assunto leitura, quem está perto do possível leitor é ouvido. Familiares e professores têm um canal muito próximo com quem busca indicações de livros, especialmente os pequenos leitores. Uma educação parental, feita pelo Estado, com o objetivo de colocar na “cesta básica” de toda a família a importância da leitura, tem uma grande relevância neste cenário.
Os dados mostram que a leitura tem um espaço maior na primeira infância e, depois, perde-se muito da relevância. Começamos bem, lendo livros para os pequenos em casa, fazendo atividades lúdicas nas creches, pré-escolas e no ensino fundamental I.
No entanto, ao receber a autonomia que a própria Literatura ajudou a oferecer, o pré-adolescente passa a enxergar outras possibilidades para ocupar seu precioso tempo. A parceria, tão alinhada entre cuidadores e escola na primeira infância, tem dificuldades de manter e resgatar leitores quando os hormônios entram no processo.
Educação parental para a leitura, parceria com a escola e incentivos reais e contínuos para a manutenção dos leitores na trilha da biblioteca são essenciais.
- Para ler, há que se ter espaços
Se o leitor for como eu, que adorava ir à biblioteca da escola para buscar livros que iriam preencher algumas tardes e carimbar a carteirinha de usuário com exemplares emprestados no ano, vai estranhar os dados da pesquisa:
O que a biblioteca representa:
Um lugar para emprestar livros (está em terceiro lugar e perdeu relevância neste item em relação à pesquisa passada). Muita gente, pasmem, não reconhece a biblioteca com um lugar onde se vai para tomar livros emprestados.
O que faria frequentar mais a biblioteca (entre não frequentadores):
“Nada faria frequentar biblioteca” cresceu de 29% para 39% da edição anterior para esta.
Temos uma parcela que não vai de jeito algum a uma biblioteca, e isso cresceu muito em quatro anos. Há um campo enorme de possibilidades para analisar esse pouco mais de um terço da população que não vê sequer uma possibilidade de frequentar tais locais.
Exercitando minha visão de “copo mais cheio” para não dar fadiga, gostaria de olhar para o que se vê de bom entre os que apontam possibilidades para frequentar mais esses espaços culturais (novamente comparando as edições de 2019 e a mais recente da pesquisa):
- Ser mais próxima de casa ou de fácil acesso (de 13% para 17%);
- Ter mais livros ou títulos novos (de 11% para 14%);
- Ter títulos interessantes ou que me agradem (de 9% para 11%).
O público frequentador de bibliotecas mostra, mais uma vez, a importância do ativo tempo para o hábito da leitura. “Se for mais perto, posso ir”. Logo em seguida, vem o reforço ao que já foi apontado nos hábitos de compra de livros: títulos e assuntos interessantes.
Saber o que é do interesse real do leitor e o que precisa ser do interesse para um verdadeiro enriquecimento cultural da sociedade são algumas das perguntas relevantes para enxergarmos melhorias no cenário pesquisado pelo Retratos da Leitura no Brasil em 2028.
Bônus track: livro não custa caro
Procurei falar de muitas coisas neste artigo, sabendo que deixei de falar de muitas outras possibilidades de análise. O leitor interessado deve ficar atento aos sites que repercutirão o Retratos da Leitura no Brasil nas próximas semanas, pois existem muitos olhares possíveis sobre as 130 telas divulgadas pela Pró-Livro.
Deixei de lado, propositalmente, a questão do preço do livro, visto que isso exigiria uma reflexão mais detalhada e dedicada exclusivamente ao tema (quem sabe numa próxima?).
Apenas afirmo: o livro no Brasil não é caro; nós é que ganhamos pouco e não aprendemos a dar o devido valor a esse produto.
Por sorte, temos 93,4 milhões de leitores (47% do universo retratado) que já compreenderam o valor das ideias publicadas.
Não é a maioria, mas é muita gente, com potencial para virar o jogo, no qual – vamos relembrar – já fomos vencedores.
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* Luiz Andrioli é escritor, jornalista e empresário.
Tem seis livros publicados, dentre eles Crônicas do Varal da Casa ao Lado (Prosa Nova), adotado pelo Programa Nacional do Livro Didático.
É jornalista, com pós-graduações em Cinema e Gestão Empresarial e Mestre em Literatura.
Diretor de Conteúdo e Negócios no Grupo Prosa Nova, que reúne uma EduCultTech e uma Editora de Livros.
@luizandrioli