Rodas de Leitura: Cai o pano

22 de agosto de 2022

Rodas de Leitura: Cai o pano

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp

Este episódio foi gravado com os estudantes do Projeto Garoto Cidadão, em Araucária, no dia 23 de setembro de 2022.

Entre luzes e sombras

Por Jonatan Silva

Quando as cidades começaram a se tornar as metrópoles que conhecemos hoje, lá por volta de meados do século XIX, a literatura também acompanhou esses avanços. Primeiro, com as narrativas realistas de Charles Dickens (1812 – 1870) e Balzac (1799 – 1850) – ainda que o realismo propriamente dito só chegaria com Gustave Flaubert (1821 – 1880) e o polêmico romance Madame Bovary – e, depois com a Edgar Allan Poe (1809 – 1849) e a literatura policial. O conto “Os Assassinatos na Rua Morgue” é o precursor desse gênero. Publicado em 1841, ou seja, quinze anos antes de Flaubert contar a história da adúltera Emma Bovary, o texto de Poe foi responsável criar não somente um novo modo de contar história – explorando crimes e seus desdobramentos –, mas também um novo tipo de leitor: o leitor de literatura policial. Poe deu vida também ao primeiro detetive, ao menos conscientemente, da literatura: Auguste Dupin, um homem inteligente, que acredita na sua lógica pessoal e nos conhecimentos científicos.

Dupin seria o estopim para que outros detetives aparecessem, dentre eles Sherlock Holmes – o mais arguto e famoso de todos – e, claro, Hercules Poirot, personagem de Agatha Christie (1890 – 1976) e um dos mais carismáticos de toda a literatura universal, além de ser a peça-chave de Cai o pano, romance que integra o projeto Rodas de leitura: discussões sobre a masculinidade na literatura. Poirot, que aparece pela primeira na obra da escritora inglesa em O Misterioso caso de Styles, publicado em 1920, é o protagonista de nada menos que 39 livros de Christie. Cai o pano é, justamente, a última aparição do detetive belga. Escrito na década de 1940, o livro só ganhou as livrarias em 1975. Esse é, portanto, a última aparição de Poirot pelas mãos da autora. Sem contar as adaptações para o cinema e teatro, o detetive seria protagonista de dois outros livros escritos por Sophie Hannah com autorização dos herdeiros da Rainha do Crime e publicados em 2014 e 2016.

Voltando a Cai o pano, o leitor que não estiver familiarizado com a obra de Agatha Christie terá uma boa amostra de todo o legado de Poirot e de sua parceria com o Capitão Hastings. Não por acaso, neste romance a dupla volta justamente à mansão em que o primeiro livro se desenvolve. Retomando temas caros ao seu público, a escritora, deliberadamente, criou uma história para homenagear Poirot, nesta história já bastante debilitado. Ao contrário de Holmes, também “assassinado” por Conan Doyle (1859 – 1930), Agatha Christie faz de seu personagem um homem que sucumbe à idade, que envelhece e morre sem nenhuma pirotecnia literária. Poirot, apesar de sua inteligência fora do comum, tem características muito mais humanizadas que seus congêneres.

Poirot e a masculinidade

Hercules Poirot é um homem do seu tempo: um cavalheiro e um gentlemean, mas também uma figura controversa. Enquanto desvenda os mistérios que caem em suas mãos, o detetive coloca as mulheres em segundo plano – algo muito típico na literatura policial, basta lembrar do esteriótipo da femme fatale. Agatha Christie radiografa, por meio de Poirot, muito da misoginia que regia a sociedade no século XX e que, de alguma forma, ainda dá as cartas no nosso mundo hoje em dia. Em alguns de seus romances mais importantes, como O Assassinato no Expresso Oriente e Morte no Nilo, as mulheres ocupam dois espectros bastante distintos: ou são de uma inocência acachapante ou de uma vilania sem medidas.

Cai o pano é um pouco diferente: Judith, a mais forte personagem feminina no livro, é independente e agressiva, porém, é submissa ao seu chefe e parece sempre esconder uma emotividade por trás da sua postura incisiva e decidida. Sem spoilers, Judith é cativante e o contraponto de Poirot: um sujeito calmo e extremamente analítico, alguém que a tudo presta atenção e calcula cada um dos seus movimentos. Tais elementos, um tanto quanto díspares se comparados ao restante da obra detetivesca da escritora, são a chave para entender Cai o pano.

Ainda que não traga nenhuma inovação de estilo ou na forma como constrói o mistério, tanto que de antemão Poirot diz saber que é o assassino, Christie estabelece trajetos narrativos por sua história que vão fazendo o leitor entrar na sua trama. Estamos enredados em saber quem é o tal X e o porquê um novo crime está para acontecer.

Como podemos perceber, Poirot e Hastings são os únicos sujeitos verdadeiramente ativos em Cai o pano, entretanto, se, seguindo a tradição de Dupin, somente aos homens cabia todo o saber da Ciência, neste livro Judith é a ruptura dessa ideia. Sem avançar em segredos da trama, ela é detentora de um conhecimento revolucionário, um saber que, não raras vezes, parecia alheio às mulheres. Cai o pano, nesse sentido, é um romance sobre emancipação e independência, mas é também a história do adeus de Poirot, um homem que deixa a sua marca no mundo e um legado para as próximas gerações.

Pontos para entender Cai o pano

  • O papel da mulher na literatura policial;
  • A personalidade de Judith;
  • O conhecimento científico;
  • As limitações de Poirot;
  • A amizade entre Poirot e Hastings;

Que tal compartilhar com a gente um pouco da sua leitura?

Saiba mais

Leia também

  • Um estudo em vermelho, de Conan Doyle;
  • Os Assassinatos na Rua Morgue, de Edgar Allan Poe;
  • O Crime de Lord Arthur Savile e outras histórias, de Oscar Wilde;
  • O Assassinato no Expresso Oriente, de Agatha Christie;
  • A Trilogia de Nova York, de Paul Auster;

Vídeos

Crítica: Cai o pano

Filme: Cai o pano (2013), de Hettie McDonald

Nerdologia: Agatha Christie

Literatura en voz alta

O ator Cesar Almeida interpreta por meio de uma leitura dramática um trecho selecionado da obra Cai o pano, de Agatha Christieo. O livro faz parte do projeto Rodas de leitura: discussões sobre a masculinidade na Literatura.

Inscreva-se na Prosa News, a newsletter da Prosa Nova

Utilizamos cookies para oferecer melhor experiência, melhorar o desempenho, analisar como você interage em nosso site e personalizar conteúdo. Política de Privacidade.