Benedito Costa Neto
A escrita pode ser fuga, restauração, grito, mas também pode ser silêncio. É bom quando o silêncio é uma escolha e não uma mordaça. Admiro muito quem possa numa situação de dor extrema, isolamento, cárcere, luto, escrever. Para mim, a escrita já foi quase tudo isso. Eu entendo. No entanto, há vezes em que a caneta fica pairando sobre a folha, em potência apenas. Não é a tinta esgotada ou a vontade ou ainda a ideia sacudindo as grades para sair. A pandemia, por um lado, trouxe para mim ao menos a obrigação de me ausentar da escrita (nem a crítica, nem a criativa) porque não consigo escrever lidando com a morte tão perto, o descaso governamental, a corrupção que barra a construção de hospitais, a mídia nociva, o fascismo como uma hiena de grandes dentes, que saiu da sombra, onde estava escondida apenas esperando o bote. Por outro lado, a pandemia também mostrou o quanto o mercado não pode parar, rompendo o já frágil limite entre o público e o privado — e nossas casas (eu não diria “de repente” porque é um processo a correr de longa data) se transformaram em extensão das coisas do mundo. Antes refúgio ou conforto, agora mesa de trabalho, com lives, contatos, atendimentos como um enxame num pesadelo. E há quem diga que o tempo é nós que fazemos. Uau! Se mal e mal podemos alterar os ponteiros do relógio, quem dirá o planeta em torno de si mesmo e do sol e as correntes de ações e casos que podemos chamar “história”. Se já estava difícil publicar (minha editora faliu e outras querem publicar arrancando os poucos recursos que os escritores têm), a pandemia jogou a última pá de cal. Não me sinto em suspensão. Eu me sinto andando numa corda bamba sobre as correntezas do Mekong, sem bastão de equilíbrio.
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Arte parada no ar
Manifesto
Arte parada no ar
O perigo vem pelo ar
O simples respirar é um risco
Estamos em suspenso
Atônitos
Parados
Se antes ofegantes
pelos tempos sombrios da política,
agora interrompemos a inspiração
Nosso ofício
marcado pelo encontro de pessoas
parou
Artistas isolados
Os primeiros a parar
Sem saber quando poderemos voltar
Nossos palcos cobertos de poeira
Refletores no escuro
Exposições com quadros no chão
Músicos sem plateia
Picadeiros sem graça
Sapatilhas guardadas
Livros inéditos
Câmeras desligadas
Registramos nosso momento em imagens e textos.
Criamos, sim, dentro dos limites deste novo normal
que ainda não imaginamos
nem nas distopias mais futuristas
Um rascunho
Um ensaio aberto
Um improviso
Um respiro
mediado por telas digitais
e máscaras
Arte parada no Ar
Um retrato
e um desabafo
de criadores que resistem
Arte parada no ar é um manifesto em construção.
Nossa inspiração vem do texto “Um grito parado no ar”, de Gianfrancesco Guarnieri. A peça estreou em 1973 em Curitiba, com direção de Fernando Peixoto. A obra driblou a vigilância da ditadura de então ao usar de uma linguagem metafórica para discutir os problemas sociais. O drama fala sobre as dificuldades de se fazer arte em um tempo de repressão.