Carlos Machado
Ainda escuto a música que tocava junto ao som dos violões, cortando a noite. Depois perco a memória, não sei o que fomos fazer, nem aonde chegamos. Algo incômodo, como se dissesse para voltarmos. E assim, escorrego os braços em suas cordas, como se mostrasse a elas que não as deixarei sozinhas.
Lentamente, a música mistura-se com o grito das pessoas em contagem regressiva. Não pode perder o ritmo, mantenha o mesmo tempo até o final da canção, alguém fala em seu ouvido. Ele fecha os olhos, suado mesmo na temperatura negativa, flocos de neve em sua luva, a touca cai da cabeça, alguém esbarra em seus ombros, concentra-se até o zero. E continua, ainda que acompanhado por aplausos vindos das pessoas penduradas na parede da sala.
Nas pausas em colcheias, semicolcheias, mínimas ou semínimas é que se escuta a força de uma canção, ainda que o silêncio se perca na reverberação e na ausência de pessoas.
Carlos Machado
Curitiba, 1977.
Escritor, músico e professor
www.carlosmachadooficial.com
Clique aqui e conheça
outros artistas que estão com
Arte parada no ar
Manifesto
Arte parada no ar
O perigo vem pelo ar
O simples respirar é um risco
Estamos em suspenso
Atônitos
Parados
Se antes ofegantes
pelos tempos sombrios da política,
agora interrompemos a inspiração
Nosso ofício
marcado pelo encontro de pessoas
parou
Artistas isolados
Os primeiros a parar
Sem saber quando poderemos voltar
Nossos palcos cobertos de poeira
Refletores no escuro
Exposições com quadros no chão
Músicos sem plateia
Picadeiros sem graça
Sapatilhas guardadas
Livros inéditos
Câmeras desligadas
Registramos nosso momento em imagens e textos.
Criamos, sim, dentro dos limites deste novo normal
que ainda não imaginamos
nem nas distopias mais futuristas
Um rascunho
Um ensaio aberto
Um improviso
Um respiro
mediado por telas digitais
e máscaras
Arte parada no Ar
Um retrato
e um desabafo
de criadores que resistem
Arte parada no ar é um manifesto em construção.
Nossa inspiração vem do texto “Um grito parado no ar”, de Gianfrancesco Guarnieri. A peça estreou em 1973 em Curitiba, com direção de Fernando Peixoto. A obra driblou a vigilância da ditadura de então ao usar de uma linguagem metafórica para discutir os problemas sociais. O drama fala sobre as dificuldades de se fazer arte em um tempo de repressão.