Mauro Zanatta
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Arte parada no ar
O trem
Sonhei que estava num trem tão rápido, mas tão rápido, que toda vez que tentava ver a paisagem eu tinha vertigem. E cada vez que tinha vertigem, balbuciava vomitando: “- Para esse trem que eu quero descer!” Pois no meio da última vertigem, o trem parou… E silenciou. E continuou parado, por muito tempo.
Nas primeiras horas, dois ou três arriscaram olhar pela janela. Passaram-se dias assim. Diziam que era falta de combustível. Nem todos acreditavam. E continuavam grudados às suas poltronas.
Depois de um mês, parados, arrisquei descer do trem… Olhei para a natureza em volta do trem e vi um menino sentado no galho de uma árvore, vestindo calções e meias de futebol e uma camiseta rasgada. A bicicleta preta estava encostada na árvore. Eu olhava o trem.
Mauro Zanatta
Ator e criador do Espaço Excêntrico Mauro Zanatta
Manifesto
Arte parada no ar
O perigo vem pelo ar
O simples respirar é um risco
Estamos em suspenso
Atônitos
Parados
Se antes ofegantes
pelos tempos sombrios da política,
agora interrompemos a inspiração
Nosso ofício
marcado pelo encontro de pessoas
parou
Artistas isolados
Os primeiros a parar
Sem saber quando poderemos voltar
Nossos palcos cobertos de poeira
Refletores no escuro
Exposições com quadros no chão
Músicos sem plateia
Picadeiros sem graça
Sapatilhas guardadas
Livros inéditos
Câmeras desligadas
Registramos nosso momento em imagens e textos.
Criamos, sim, dentro dos limites deste novo normal
que ainda não imaginamos
nem nas distopias mais futuristas
Um rascunho
Um ensaio aberto
Um improviso
Um respiro
mediado por telas digitais
e máscaras
Arte parada no Ar
Um retrato
e um desabafo
de criadores que resistem
Arte parada no ar é um manifesto em construção.
Nossa inspiração vem do texto “Um grito parado no ar”, de Gianfrancesco Guarnieri. A peça estreou em 1973 em Curitiba, com direção de Fernando Peixoto. A obra driblou a vigilância da ditadura de então ao usar de uma linguagem metafórica para discutir os problemas sociais. O drama fala sobre as dificuldades de se fazer arte em um tempo de repressão.